Olhavê: o horizonte que acreditamos enxergar


“Nossa filosofia é pela excelência do projeto editorial. São páginas pensadas para que o conceito de cada trabalho autoral se torne uma montagem vigorosa de interpretações e ideias. Porque livros podem ser a experiência do que você desejar”. Esse pequeno texto está na página da ficha técnica do nosso primeiro livro, Baches (2015). Passados já seis anos, e com vários outros projetos realizados, ainda compartilhamos dos mesmos interesses.

A Editora Olhavê começou como um blog (hoje é um site). Isso foi em 2007. Acreditamos que esse blog influenciou e tocou uma geração de fotógrafos e amantes da imagem. O auge do Olhavê foi há doze anos e uma geração que produz fotolivros hoje, com treze anos na época, nem sabe que existiu uma blogosfera fotográfica. Um momento composto de uma rede profícua e rizomática importante, com nomes de profissionais que se tornaram queridos amigos através do blog Olhavê.

Efetivamente, o site da Olhavê é visitado diariamente. São centenas de posts bem organizados e categorizados: entrevistas, perfis, análises de imagem, resenhas, críticas e textos reflexivos. O conteúdo do blog já foi citado em diversos trabalhos acadêmicos. Na época, professores de faculdade usavam o conteúdo em aula. Muitos autores foram publicados pela primeira vez, ou foram convidados para galerias, exposições e publicações, tudo por causa do “escoamento”, finalidade principal do blog Olhavê. Fazíamos por prazer.

Em 2011, na Pinacoteca de São Paulo, fizemos uma palestra chamada Do virtual ao real: curadoria e processo de criação. Desse chamado mundo virtual (o blog), migramos para curadorias de alguns projetos, seminários, exposições, festivais, palestras e workshops pelo Brasil e países da América do Sul. Alguns desses projetos que concebemos e podemos destacar são: Ciclo de Ideias (Festival de Fotografia de Tiradentes), o Encontro Pensamento e Reflexão na Fotografia (MIS/SP) e a implementação do Clube de Colecionadores de Fotografia do Mamam (Museu de Arte Moderna do Recife).

Baches, em 2015, foi o primeiro livro da editora. Contudo, o início desse processo data de 2008, quando publicamos Man Ray e a imagem da mulher, de Georgia Quintas, livro de produção independente realizado com recursos próprios. Em 2021, eu e Georgia completamos trinta anos de parceria de vida, e os livros sempre fizeram (e fazem) parte das nossas histórias. Quando nos conhecemos, em 1991, compramos juntos a edição portuguesa do livro A América furtivamente: 1935-1975, de Henri Cartier-Bresson. Não paramos mais. No final dos anos 1990, quase fazíamos uma loucura: abrir uma livraria de livros de fotografia no Recife. Já estávamos até mantendo contato com as “grandes” editoras estrangeiras para comprar coisas.

  

Títulos publicados pela editora Olhavê, entre os anos de 2008 e 2019.
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Em 2012, publicamos Olhavê Entrevista; logo em seguida, em 2014, Abismo da carne e Inquietações fotográficas: narrativas poéticas e crítica visual (em parceria com a editora Tempo d’Imagem), sendo que os dois últimos foram contemplados com o XIII Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia. Foi esse movimento que nos levou para os fotolivros. Parece uma eternidade, mas tudo começa no blog Olhavê. Ainda seguimos fazendo o que acreditamos, não importa se é blog, curadoria ou livro.

A editora tem como premissa basilar a edição fotográfica. Queremos que a edição, a montagem, o alinhavar das fotografias, seja voz ativa, forte e disparadora enquanto procedimento artístico e poético nos nossos livros. Na prática, a relação com o autor que convidamos se reflete na seguinte situação: não queremos livros prontos, não queremos o PDF finalizado. Queremos ver o material não editado, o bruto, o HD, as tiras de filme. Sublinhamos o diálogo e o debate dos conceitos que envolvem – muito antes do que vem a ser o livro – a porosidade narrativa, os contornos (ou não) de um eixo central, a construção de camadas ou mesmo o vislumbre de labirintos.

Nunca tivemos resistência dos autores quanto a isso. Pelo contrário. Um exemplo foi o livro Ninguém é de ninguém (Rogério Reis, 2015). Esse ensaiou chegou à editora como um trabalho já muito conhecido e reconhecido. Já havia rodado em festivais, exposições em museus, galerias, aqui no Brasil e no exterior. Dissemos para Rogério: “precisamos contar outra coisa; mostrar outra perspectiva”. Assim foi. Rogério nos enviou por WeTransfer todo o material bruto desse ensaio. Pastas e mais pastas de imagens sem edição, sem bolinhas, sem tarjas, as sequências, fotos não conhecidas, enfim, tudo. O resultado foi espetacular.

  

Ninguém é de ninguém (2015), de Rogério Reis.

  

Sempre entendemos que, antes de tudo, fazemos livros. Desde 2015, quando publicamos o primeiro fotolivro, até hoje, de vez em quando ainda surge essa conversa sem futuro acerca do que é um fotolivro. Nas feiras de publicações era muito comum chegar à nossa mesa algum fotógrafo (famoso) e nem dizer um “olá, beleza?”. O cidadão desferia um tiro à queima roupa: “o que é isso, fotolivro?”. Não foi uma vez, nem duas vezes, que aconteceu isso. Quando falamos conversa sem futuro, é porque para nós sempre foi um tema bem resolvido e claro. Produzimos fotolivros porque nossos livros (com imagens) tem na sua essência um ensaio fotográfico potente, um corpo de trabalho estruturado e uma narrativa que proponha algo. Tudo isso conduzido e alinhavado por uma boa edição fotográfica e um design coerente. Para os que não entendem, ainda tentamos desenhar: não temos interesse em publicar portfólios de melhores fotos nem compilação de trabalhos.

Como editores das publicações Olhavê, o nosso papel revela muito do que somos em nossas origens profissionais e escolhas de vida. Há um editor prático, que reage com a disposição de olhar também “pelas costas”, e uma editora que mergulha em apneia nas imagens e volta com seu mundo próprio das leituras, da filosofia. Nossos autores estão conosco nessa caminhada, não os temos como clientes. Em muitos casos eles pertencem a afinidades eletivas (profissionais e afetivas).

Quando pensamos que um ensaio pode se tornar um livro, já pensamos no seu formato, no seu tamanho, qual papel iremos usar, a cara dele, bem como no esqueleto do livro. Participamos de todo o projeto gráfico ativamente. E aí, a parceria, amizade e confiança nos designers sempre foram pontos de extremo cuidado e importância. O designer precisa entender o nosso estilo, a filosofia da editora e o respeito ao trabalho do fotógrafo. Aqui, podemos citar os designers Yana Parente, Bianca Muto e Fernando Sciarra, como peças importantes na construção dos nossos livros.

Definitivamente, nosso mercado primário não é o editorial. O objetivo primeiro e fundamental é produzir uma obra, um novo trabalho para o autor. Quando convidamos algum autor para publicar, sempre falamos as mesmas coisas: desviamos do deslumbramento cego e arrogante por sucesso (pois tudo é produto de trabalho); não teremos livro em livrarias comerciais (esse ponto não é mais relevante agora, já faz anos); não obteremos lucro com os livros (para dizer a verdade, teremos prejuízo) e nossos livros devem ter preço de capa acessível (mesmo tendo custos altos). É o que entendemos por ser independente: publicar o que gostamos, fazer o que desejamos, com as pessoas que admiramos.

Isso tudo tem a ver com livros, com boa companhia, trabalhos sérios e uma rede profissional regada por confiança, gentilezas, respeito e consciência de que exercer a sua formação é sobretudo um exercício de escolhas e afinidades. Saber o tamanho dos seus passos e como projetar o seu quintal faz parte de um estilo de vida. Cada vez mais, nós da editora Olhavê fazemos esse exercício, que não é simples, porque requer um tempo próprio (assim como os livros), muita disposição, dedicação e reflexão quanto aos livros que acarinhamos.       

Recentemente, no perfil do Instagram de uma livraria especializada em fotolivros, achei uma coisa engraçada. A livraria estava de mudança e a foto era da van cheia de caixas (pesadas). A legenda dizia que era “prazeroso trabalhar com livros, mas...”, as caixas traziam a realidade e as dificuldades do cotidiano.

Como já mencionamos, somos uma editora independente. Somos guerrilha em todos os aspectos. Editamos e carregamos as caixas dos livros. Certa vez numa feira de fotolivros, uma designer famosa — de uma editora famosa com dezenas de funcionários — nos disse que achava legal nossa editora porque éramos como a editora dela: independente (!).

Logo no começo, foi difícil imprimir os livros com tiragens baixas, nosso primeiro desejo. Produzir 200, 250 livros, numa boa gráfica era quase impossível nas máquinas offset. Para que ter dezenas de caixas de livros se o nosso mercado não comporta? E o armazenamento disso? Bem, com a impressão digital no patamar de qualidade que se encontra hoje, começamos a imprimir tiragens de 250 exemplares, o que consideramos ideal.

Com o intuito de vender livros com preços acessíveis (e sim, nossos livros são baratos), nunca conseguimos conciliar a planilha de custos com o valor de capa. Temos livros com o custo unitário de R$ 90, que vendemos por R$ 75. Mas faz parte de uma das nossas filosofias: escoar os livros o máximo possível. Livro precisa circular. Sempre reservamos uma parte das nossas tiragens para bibliotecas de faculdades e instituições.

Para minimizar os custos, priorizamos a venda direta e as vendas em feiras especializadas e festivais de fotografia. Além disso, temos nossas publicações em poucas livrarias. São parceiros que entendem e cuidam bem do que fazemos, além de não morder 50% do valor de capa. Hoje, estamos muito satisfeitos com a distribuição dos nossos livros e acho importante pontuar esses parceiros: Lovely House, Banca Tatuí e editora Origem. É óbvio que já cometemos erros. Uma vez enviamos alguns exemplares para uma livraria que se interessou por Baches. Semanas depois, fomos ao local e o livro estava com uma etiqueta de preço colada na capa. Sim, aquelas etiquetas antigas (com aquela margenzinha vermelha) coladas no papel não revestido da capa de Baches. Desastre.

Navegamos com calma e serenidade no mercado/circuito/clube editorial da fotografia. Para sermos sinceros, navegamos pelas margens. Não curtimos oba-oba de poder, vaidade, ego e busca incessante pela fama. Mercado à parte, dinheiro à parte, vaidades à parte, poder à parte, para nós é uma questão de relacionar-se com um terreno particular e complexo, que envolve poética, narrativa, discurso, apegos, erros, acertos, achados, visão de mundo e cumplicidade. A cada ideia, estudo de edição, projeto gráfico, encaminhamento do livro ao ganhar corpo, nos deleitamos, nos angustiamos, questionamos, retomamos caminhos… Mas, sobretudo, nos doamos e sentimos um prazer e respeito enormes por eles, os livros. Colocamos o nosso profissionalismo em tudo isso, repito que com muita amorosidade e delicadeza. E com muito rigor e comprometimento.

Temos o nosso tempo. Ou, poderíamos dizer: nosso tempo é outro. Somos agradecidos porque os autores atualmente envolvidos com nossa editora sabem e compartilham dessa ideia. Se o próximo livro só sair em 2025, qual o problema? Não estamos nem um pouco preocupados com a quantidade de livros publicados. Aumentar o catálogo. Zero! Evitamos a fogueira das vaidades desse clube mesquinho. É a nossa postura.

Já houve autor que desejamos muito publicar, mas que na primeira conversa nos perguntou se estaríamos com stand em determinada feira de arte — Não, não estaremos. Foi publicado por outra editora. Tudo isso são percepções. Não é juízo de valor. Produzimos com qualidade e ao seu tempo, respeitando o autor e manejando a ética sempre. Tudo isso de ter uma editora, que para muitos é glamour, para nós é natural, sem motivações de poder.

A pandemia atingiu um aspecto crucial da nossa editora: a relação próxima com autor e designer. Não tem Zoom que resolva. Pausamos alguns projetos que, neste momento (setembro de 2021), estamos retomando. É com tranquilidade que vislumbramos para a editora Olhavê o desencadear dessas nossas escolhas, que se alinham ao tamanho do horizonte que acreditamos enxergar para o nosso futuro profissional.

Fiquem com um abraço nosso!

 

 

Georgia Quintas
Escritora, antropóloga e cofundadora da editora Olhavê.

Alexandre Belém
Jornalista, editor e cofundador da editora Olhavê.

 

 

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